Para se fazer poesia, é necessário amar poesia. Isso porque, ao fazê-la, o poeta se mostra por inteiro, se desnuda de todo temor, e até mesmo dos pudores que nos são impostos pelas convenções sociais. Sim, é despir-se, porque a produção do poema nem sempre é ato de construção, mas, e na maioria das vezes, um gesto de entrega ou de permissão para que o poema brote livre e irrefreável, como um rebento que a parturiente não pode impedir que venha ao mundo, como o sol renitente que segue seu trajeto independentemente da permissão de quem quer que seja. Nesse processo quase que automático, o poeta deixa escapar involuntariamente a sua identidade, seus medos, suas alegrias, seus anseios, suas preferências estilísticas, sua essência, sua alma. Por isso o desnudar-se, o despir-se por inteiro.
Ler a poesia de Tarciso Coelho me fez lembrar Manoel Bandeira, não pela forma ou pela temática, mas pela fidelidade ao cotidiano do poeta, pela veracidade da mensagem, se é que se pode falar de mensagem em poesia – cada leitor faz a sua e ninguém é louco de dizer o contrário. Por falar em Bandeira, veio-me à mente o poema Desencanto, do qual transcrevo a seguir um pequeno fragmento:
Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
– Eu faço versos como quem morre.
Quanto antagonismo meu!... pois Tarciso não faz verso como quem chora de desalento ou de desencanto, mas como quem sorri para a vida e vive intensa e descontraidamente cada momento. Não faz versos como quem morre, mas como quem vive plenamente, tem sede de viver, de irradiar vitalidade. Não sei exatamente por que lembrei de Bandeira, um dos inventores do modernismo brasileiro, com rimas livres ou sem nenhuma rima, mas com uma autenticidade inigualável. Já o poeta Tarciso faz uma poesia bem diversa da de Bandeira, faz cordel, mas às vezes com rimas livres e sem escravizar-se à métrica ou ao ritmo, porém igualmente autêntico. Talvez seja isso: a autenticidade, que parece uma forte influência de Patativa do Assaré, a quem o poeta homenageia, ao tempo em que louva também mestre Tomás, dois gigantes da cultura e da sabedoria popular. Assim, caminhando pela vida cotidiana, Tarciso vai expondo sua alma, e dando pistas de sua identidade de poeta, em uma temática variável e abrangente: do amor familiar ao carnal, do ambiente de trabalho ao ambiente boêmio, da cultura nordestina à nortista (marajoara), das relações de amizade às manifestações humorísticas, com seus personagens bem populares, com o folclore, ou seja, com tudo que está no seu repertório e na sua alma, mas que está também na alma do povo, no imaginário popular.
No que se refere aos Causos e Causas, ah!... estes são um “causo” à parte. Nestes o agora prosador, e prosista, no dizer do povo, traz fatos e personagens com os quais a maioria de nós já conviveu, ou pelo menos conheceu; fatos pitorescos, cotidianos, personagens irreverentes, talvez aquela irreverência com a qual todos sonhamos um dia. E vai, assim, tecendo as pequenas tramas recheadas de humor e graça, uma graça suave e leve, própria dos bons cronistas. Era isso!... Tarciso é também um cronista, contador de causos, de coisas, de fatos e anedotas que nos alumbram e nos assustam, mas que fazem um um bem danado à nossa alma.
Luiz Egito de Souza Barros
Professor e, nas horas vagas, poeta e prosador.